Zooarqueologia e tafonomia da transição para a agro-pastorícia no Baixo e Médio Vale do Tejo

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2017
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Resumo
A discussão acerca da introdução e desenvolvimento das primeiras economias de produção sofreu importantes avanços, sobretudo com as informações de disciplinas não tradicionalmente relacionadas com a investigação arqueológica, numa óptica de investigação transdisciplinar. Não obstante, as informações decorrentes de estudos especializados, como os arqueofaunísticos, nem sempre acompanharam esta dinâmica, sendo, por isso, remetidos para um patamar acessório nas interpretações e modelos decorrentes da aquisição de informações arqueográficas. O processo de neolitização do Sudoeste da Península Ibérica, com informação relevante, é um dos temas que mais se tem discutido nos últimos anos, principalmente devido à existência de povoamento do Mesolítico final. Diferentes modelos, com uma crescente complexidade, devido à abrangência de um maior número de variáveis, têm sido avançados para tentar explicar o surgimento de indicadores directos de economias de produção, tanto na costa, como no interior. Nas últimas duas décadas, as áreas interiores têm assumido especial relevância nestas discussões, pelo número crescente de evidências de ocupação do território no Mesolítico antigo, e pela maior celeridade e variabilidade identificada na sua ocupação durante o Neolítico antigo. O posterior desenvolvimento e maturação das economias de produção, apesar de nem sempre apresentar uma divulgação tão consistente como a da transição Mesolítico-Neolítico, tem acompanhado a evolução da prática arqueológica, ainda que estigmatizada pela atenção dada historicamente a contextos megalíticos. Actualmente, a quantidade e qualidade de informação, permite realizar uma aproximação mais consistente às dinâmicas registadas no longo período que engloba o Mesolítico, Neolítico e Calcolítico. Tomando como área de estudo a Bacia do Baixo e Médio Tejo, nomeadamente as regiões da Península de Lisboa, Estremadura e Alto Ribatejo, em Portugal, e a Extremadura, em Espanha, o presente trabalho enquadra-se precisamente nestas questões. Esta tese centra-se no estudo arqueofanístico do processo de domesticação animal. Foram realizadas, por um lado, datações radiométricas em contextos seleccionados de forma a melhor compreender a sua cronologia absoluta, por outro lado – o foco analítico desta dissertação – procedeu-se à análise zooarqueológica e tafonómica de diversos conjuntos, nomeadamente, Encosta de Sant’Ana, Espargueira/Serra das Éguas, Gruta de Nossa Senhora das Lapas, Gruta do Cadaval, Gruta do Morgado superior, Los Barruecos e Cueva de Los Postes. As metodologias aplicadas, para além das comuns questões relacionadas com a identificação anatómica e taxonómica, padrões demográficos ou análises biométricas comparativas, incidiram especialmente na obtenção de indicadores tafonómicos da fase nutritiva, sub-aérea e diagenética, partindo de dados actualistas. A análise dos contextos, com diferentes graus de fiabilidade cronológica mas que abrangem o Mesolítico antigo (Epipaleolítico), os diversos momentos da sequência neolítica (antigo, médio e final) e a sua transição para o Calcolítico inicial, permitiram discutir, desde um ponto de vista supraregional, as dinâmicas paleoeconómicas empiricamente evidenciadas. A implementação de metodologias relacionadas com a Zooarqueologia e a Tafonomia possibilitou a realização de diferentes escalas analíticas, alcançando uma profundidade interpretativa relevante, sobretudo no que respeita à compreensão de marcos polimodais, e agentes e processos tafonómicos envolvidos; tal apenas foi possível devido à aplicação de uma metodologia padronizada em todos os conjuntos. As informações arqueofaunísticas obtidas, após uma ponderação diferenciada baseada na interpretação tafonómica, foram cruzadas com outros dados existentes (e.g., padrões de povoamento, cronologias absolutas, isótopos estáveis), de forma a permitir diferentes escalas analíticas comparativas das variadas evidências registadas. Algumas diferenças pontuais foram verificadas durante os diferentes períodos, porém parecem existir padrões gerais no Neolítico antigo, Neolítico médio e Neolítico final. O conjunto de dados sugere que o início das economias de produção está marcado por espectros arqueofaunísticos com um predomínio de Sus e uma menor representatividade de Bos e Ovis/Capra, como registado por exemplo na Encosta de Sant’Ana, na Península de Lisboa. Uma mudança para uma aparente especialização na caça de Cervus elaphus e pastorícia de Ovis/Capra regista-se durante o Neolítio médio, por exemplo na Gruta do Cadaval, no Alto Ribatejo. Durante o Neolítico final e Calcolítico inicial, Sus e Ovis/Capra parecem ter sido os principais taxa explorados, por exemplo, na Espargueira/Serra das Éguas, na Península de Lisboa. Os contextos analisados, apresentam ainda uma discussão alargada relacionada com a exploração de restos de leporídeos. Nos diversos contextos, com especial atenção para os sítios em ambientes cársicos (Cueva de Los Postes, Gruta de Nossa Senhora das Lapas, Gruta do Cadaval, Gruta do Morgado superior), não se registaram claros indicadores de acumulação antrópica para a generalidade dos restos de leporídeos. A confrontação destes dados com outros cronológica e geograficamente similares, leva-nos a sugerir a necessidade de comprovar empiricamente, a uma maior escala cronológica, a possível acumulação antrópica destas espécies, visto serem comuns os conjuntos de origem intrusiva e exógena.
The introduction and development of the first productive economies has been a matter of great debate in the last decades. This was due to the acquisition of information from non traditional archaeological disciplines, in transdisciplinary based research. Nonetheless, specialised studies such as Zooarchaeology did not always accompany this dynamic as it is normally considered supplementary for interpretation purposes. Southwest Iberian Peninsula neolithisation is one of the most discussed thematics due to previous final Mesolithic occupation of this region. Different models (increasingly complex because of a higher number of variables) have been developed aiming to explain the existence of productive economies direct indicators in both coastal and inner areas. In the last two decades, inland areas have been given special attention due to the growing number of early Mesolithic sites, and the higher celerity and variability identified during the early Neolithic. Although not always presented as consistently as the Mesolithic-Neolithic transition, the development and maturation of productive economies has followed the archaeological practice evolution; still, it is stigmatised by the special attention historically given to megalithic contexts. The quantity and quality of information allows for a more consistent approach to the dynamics registered during the long period that spawned the Mesolithic, Neolithic and Chalcolithic. Taking the Lower and Middle Tagus Basin as a study area (namely the Lisbon Peninsula, Estremadura and North Ribatejo in Portugal, and the Extremadura in Spain), the present work focuses on these questions. This thesis is centred in the study of archaeofauna relatable to the animal domestication process. Besides new radiometric dates in selected contexts aiming to better understand absolute chronologies, this thesis addresses zooarchaeological and taphonomical analysis of several assemblages: Encosta de Sant’Ana, Espargueira/Serra das Éguas, Nossa Senhora das Lapas cave, Cadaval cave, Morgado superior cave, Los Barruecos and Los Postes cave. Selected methodologies comprised anatomy, taxonomy, demography and biometric comparative analysis, and focused mainly on the acquisition of taphonomic indicators for nutritive, sub-aerial and diagenetic phases, through comparison with actualistic data. Archaeological contexts analysis, with different degrees of chronological fiability but spawning the early Mesolithic (Epipalaeolithic), several moments of the Neolithic sequence (early, middle, final) and the transition to the early Chalcolithic, allowed the discussion of palaeoeconomy evidences from a supra-regional point of view. The methodologies implemented also allowed different analytical scales with a relevant interpretative depth for the understanding of polimodal marks, and the involved taphonomical agents and processes. This was only possible due to the implementation of a standardised methodology in all the assemblages. After a differentiated pondering based on taphonomic interpretations, the archaeofaunistical evidence where compared with other evidence (e.g., settlement patterns, absolute chronology, stable isotopes analysis). Some differences were registered on faunal spectra during these periods but general patterns are observable in the early, middle and final Neolithic. Data suggests that the beginning of the first productive economies comprises archaeofaunistical spectra with a predominance of Sus and a lower representativeness of Bos and Ovis/Capra, as is the case of Encosta de Sant’Ana, in Lisbon Peninsula. A change towards a specialisation in Cervus elaphus hunting and Ovis/Capra pastoralism is registered for the middle Neolithic, for example in Cadaval cave, North Ribatejo. During the final Neolithic and early Chalcolithic, Sus and Ovis/Capra seem to have been the main taxa exploited, for example in Espargueira/Serra das Éguas, Lisbon Peninsula. The contexts analyses raised the need for an in-depth discussion regarding leporids exploitation. In several of the studied assemblages, mainly the ones in karstic environments (Los Postes, Nossa Senhora das Lapas, Cadaval and Morgado superior caves), no clear indicators of anthropic accumulation were recorded in leporids. The confrontation of these data with other similar assemblages led us to suggest the necessity to empirically demonstrate, in a wider chronological scale, the possible anthropic accumulation of these species, because they are commonly of intrusive and exogenous origins.
Descrição
Tese de Doutoramento em Quaternário, Materiais e Culturas
Palavras-chave
Neolitização , Península Ibérica , Bacia do rio Tejo , Zooarqueologia , Tafonomia
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