Processos proteolíticos e características sensoriais em carne de bovino da raça Maronesa. Influência do pH final e tempo de maturação

Data
2007
Autores
Silva, José António de Oliveira e
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Resumo
Durante o processo de transformação do músculo em carne, vários factores condicionam os processos bioquímicos e físicos, que influenciam de forma marcante a qualidade final da carne. Entre estes factores, o pH final (pHf) da carne é referido como um importante condicionador das características sensoriais e tecnológicas da carne. A tenrura é, na carne de bovino, particularmente importante contudo, o tipo de relação existente entre o pHf e a tenrura, bem como as suas causas não são unanimemente aceites. Durante o armazenamento da carne (maturação), existem evidências que, a degradação de algumas proteínas miofibrilhares poderão contribuir para a tenrificação da carne. O envolvimento de proteases endógenas, principalmente as catepsinas e as calpaínas, ainda que extensivamente estudadas, tem conduzido a resultados controversos. Pelo contrário, os conhecimentos sobre o efeito do pHf da carne de bovino na actividade enzimática e na degradação miofibrilhar são praticamente inexistentes. Com o presente trabalho, pretendeu-se contribuir para o conhecimento da influência do pHf da carne de bovino da raça Maronesa e tempo de maturação, ao nível da proteólise miofibrilhar e da actividade enzimática das calpaínas e catepsina D. As repercussões ao nível das características tecnológicas e sensoriais da carne foram, igualmente, avaliadas. Visando colmatar a falta de dados relativos à ocorrência de carnes com pHf elevado (DFD), avaliou-se a ocorrência deste tipo de carnes nesta raça bovina. A avaliação da ocorrência da condição DFD foi efectuada em 277 carcaças ao longo de um ano, procedendo-se à avaliação do pHf (avaliado às 24 horas post mortem, pm) nos músculos longissimus lumborum, semimembranosus e psoas major. Para a avaliação da influência do pHf e tempo de maturação, após abate em matadouro comercial, foram recolhidas amostras às 3 h pm (dia 0) no músculo longissimus thoracis et lumborum (n=30) de bovinos machos da raça Maronesa. Às 24 h pm (dia 1), após a excisão deste músculo, foi dividido em porções que embaladas sob vácuo foram refrigeradas (4ºC) até aos dias 3, 7 e 14 pm. Com base no pHf os músculos foram divididos em três grupos: grupo Normal (pH≤ 5,8), grupo DFD moderado (DFDmod, 5,8<pH<6,2) e DFD (pH≥6,2), para a avaliação da ocorrência da condição DFD e do efeito do pHf e tempo de maturação. A avaliação da ocorrência DFD, revelou 25,3% de casos DFD no músculo longissimus lumborum, 8,7% no músculo semimembranosus e apenas 1,4% no músculo psoas major. A ocorrência da condição DFD no músculo longissimus lumborum, foi nos machos 8 vezes superior à das fêmeas (40,0 e 5,1% respectivamente). O pHf da carne influiu, de forma marcante, nas características sensoriais e tecnológicas da carne. A carne DFD foi considerada pelo painel como sendo mais tenra, mais suculenta, com um melhor flavor e melhor pontuada em termos de apreciação global. A carne DFD apresentou uma capacidade de retenção de água (CRA) superior à da carne Normal e uma menor força de corte. Neste trabalho foi encontrado uma relação linear entre a tenrura, avaliada tanto pelo painel como pela força de corte, não tendo sido encontrada uma influência do pHf no encurtamento muscular, avaliado pelo comprimento dos sarcómeros. A maior tenrura da carne DFD fez-se notar desde o dia 1 pm e, mesmo após 14 dias de armazenamento a 4ºC, manteve-se mais tenra do que a carne Normal. O efeito do tempo pm no incremento da tenrura fez-se sentir duma forma particularmente evidente do dia 1 ao dia 3 nos três grupos de pHf. A maturação da carne também exerceu um efeito positivo na avaliação da suculência e da apreciação global, mas apenas nos grupos Normal e DFDmod. O armazenamento da carne até aos 14 dias pm não teve repercussões negativas no flavor da carne. Contrariamente aos parâmetros referidos, o pHf teve um efeito negativo na cor. A carne DFD apresentou uma cor mais escura (menor L*), menos vermelha (menor a*) e menos amarela (menor b*), comparativamente à carne Normal. Estas carnes têm ainda, quando expostas ao ar, uma menor capacidade de adquirir a cor vermelha brilhante atraente para o consumidor e característica da carne com pHf normal. A avaliação da actividade enzimática da catepsina D revelou que, ao longo do período de maturação da carne, ocorreu o aumento da fracção livre em todos os grupos de pHf. A actividade desta enzima foi semelhante nos três grupos para os dias 0 a 7 pm, no entanto no dia 14 o grupo DFDmod apresentou uma actividade ligeiramente superior à dos outros grupos. Os resultados sugerem que, durante o armazenamento em refrigeração, pode ocorrer a desestabilização das membranas lisossomais, com a libertação destas enzimas para o espaço miofibrilhar, podendo desta forma entrar em contacto com o substrato e assim exercer a sua acção proteolítica ao nível das proteínas miofibrilhares, ainda que a actividade da catepsina D não mostrou restar relacionada com a tenrura da carne. A m-calpaína sofreu uma perda de actividade substancial ao longo do período pm, em todos os grupos de pHf, indicando a sua autólise, activação e perda de actividade. A actividade da m-calpaína, pelo contrário, manteve-se constante sugerindo que não desempenha um papel central na degradação miofibrilhar. A calpastatina, inibidor natural das calpaínas, decresceu de forma acentuada, ao longo do tempo pm, no entanto, a perda de actividade foi dependente do pHf. No grupo DFD a diminuição da actividade da calpastatina foi menos acentuada que nos restantes grupos resultando que aos 3 e 7 dias pm a actividade inibitória foi superior no grupo DFD. A maior actividade da calpastatina no grupo DFD, contraria uma possível acção proteolítica superior na carne com um pHf mais propício à sua actividade, se bem que a menor actividade da m-calpaína, observada no dia 3 pm no grupo DFD, possa resultar de uma maior actividade proteolítica, contribuindo para a maior tenrura desta carne. Neste dia pm a actividade da m-calpaína correlacionou-se com a tenrura avaliada sensorialmente. A avaliação da degradação miofibrilhar por SDS-PAGE e por “Western blotting”, revelaram que várias proteínas miofibrilhares são degradadas ao longo do período pm, com o aparecimento de polipéptidos resultantes da sua degradação. As proteínas titina, nebulina, filamina, desmina, troponina T e I, foram degradadas durante o periodo pm, mas a taxas diferentes. O polipéptido 29 kDa, referido como indicador geral da proteólise, aumentou de intensidade ao longo do período pm, mas de uma forma mais acentuada no grupo Normal, não estando relacionado com a tenrura da carne. A incubação com o anticorpo anti-troponina T revelou que este polipéptido é um produto da degradação da troponina T. A titina sofreu uma degradação pm lenta, mas visível após o dia 1, sugerindo pela analise do fragmento 1200-kDa, uma degradação ligeiramente superior no grupo DFD, relacionando-se com a tenrura. Foi, igualmente, demonstrada a degradação da nebulina ao longo do período pm nos três grupos de pHf, que ocorreu a uma taxa superior à degradação da titina. A avaliação da densidade da banda nos géis e a incubação com o anticorpo anti-nebulina por “Western blotting”, revelaram que a degradação foi menor no grupo DFD. A desmina foi igualmente outra proteína miofibrilhar que sofreu proteólise, ao longo do tempo pm em todos os grupos de pHf, contudo no grupo DFD foi observada uma maior degradação, logo nos primeiros dias pm, quer pela intensidade das bandas quer por “Western blotting”, após incubação com o anticorpo anti-desmina. A degradação desta proteína mostrou estar relacionada com a tenrura da carne. A degradação lenta e parcial da filamina e troponina I, durante o periodo pm, não foi influenciada pelo pHf da carne, nem se relacionou com a tenrura. O pHf da carne exerceu, ao nível da degradação miofibrilhar, um efeito diferencial, dependente do tipo de proteína. A maior degradação verificada no grupo DFD das proteínas titina e principalmente desmina, poderão contribuir para a maior tenrura da carne DFD. Os resultados obtidos, no presente trabalho revelaram que o pHf da carne influiu marcadamente nas características sensoriais e tecnológicas da carne, nomeadamente na tenrura. Exceptuando a cor, a carne DFD apresentou melhores características sensoriais e tecnológicas, devendo ser reavaliado o efeito negativo do pHf na qualidade da carne. A diminuição da actividade da -calpaína e o aumento da actividade da fracção livre da catepsina D, bem como a observação da degradação de proteínas miofibrilhares, que são passíveis de ser degradadas pelas calpaínas e catepsinas, sugerem que estas enzimas poderão contribuir para a proteólise miofibrilhar e por conseguinte pelo aumento da tenrura ao longo do período pm. Não excluindo a influência da CRA na maior tenrura da carne DFD, a observação duma maior degradação da titina e especialmente da desmina, sugerem que a degradação destas proteínas poderão estar igualmente implicadas na maior tenrura da carne DFD. O efeito diferencial do pHf na degradação miofibrilhar, realça a natureza complexa dos processos de tenrificação da carne.
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Palavras-chave
Qualidade da carne de bovino , pH final , maturação , calpaínas , catepsina D , proteólise miofibrilhar
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